O Espiritismo sendo o consolador prometido por Jesus, e
vindo explicar o que Jesus não pode explicar em seu tempo, segundo o próprio
Mestre; explica a passagem bíblica de Adão e Eva, no livro A Gênese, de Allan
Kardec. O texto que se segue contém a passagem bíblica da parte da gênese
referente à Adão e Eva, e posteriormente a explicação espírita para o assunto.
Ora, o Senhor Deus plantara desde o começo um jardim
delicioso, no qual colocou o homem que formara. – O senhor Deus também
produzira da terra todas as espécies de árvores belas à visão e cujos frutos
eram agradáveis ao gosto, e a árvore da vida no meio do paraíso, com a árvore
da ciência do bem e do mal.
O Senhor tomou, pois, o homem e o colocou no paraíso de
delícias, a fim de que o cultivasse e guardasse. Deu-lhe também esta ordem e
lhe disse: Comei de todas as árvores do paraíso. Mas não comas do fruto da árvore
da ciência do bem e do mal; porque no mesmo tempo que dela comeres morrerás
muito certamente.
Ora, a serpente era o mais sagaz de todos os animais que o
Senhor formara sobre a Terra. Ele disse à mulher: Por que Deus vos ordenou para
não comer o fruto de todas as árvores do paraíso? É que disse, Eloim: não
comereis de nenhuma árvore do jardim? A
mulher lhe respondeu: Nós comemos os frutos de todas as árvores que estão no
paraíso. Mas para o que é o fruto da árvore que está no meio do paraíso, Deus
nos ordenou para dela não comer, e não tocá-la, de medo que estivéssemos em
perigo de morrer. A serpente respondeu à mulher: Seguramente, não morrereis;
mas é que Deus sabe que logo que houverdes comido desse fruto, os vossos olhos
serão abertos, e sereis como deuses, conhecendo o bem e o mal.
A mulher considerou, pois, que o fruto dessa árvore era bom
para comer; que era belo e agradável à visão. E tendo-o tomado, comeu-o, e dele
deu ao seu marido para que comesse também.
E como eles ouviram a voz do Senhor Deus, que passeava no
paraíso depois do meio dia, quando se eleva um vento brando, eles se retiraram
para o meio das árvores do paraíso, para se esconderem de diante de sua face.
Então o Senhor chamou Adão, e disse-lhe: Onde estais? Adão
lhe respondeu: Eu ouvi a vossa voz no paraíso, e tive medo porque estava nu;
foi por isso que me ocultei. O Senhor lhe respondeu: De onde soubestes que
estáveis nu, senão porque comestes do fruto da árvore da qual vos proibi de
comer? Adão lhe respondeu: A mulher que me destes por companheira me apresentou
o fruto dessa árvore, e eu comi. O Senhor Deus disse à mulher: Por que fizestes
isso? Ela respondeu: A serpente me enganou, e eu comi desse fruto.
Então o Senhor Deus disse à serpente: Porque fizeste isso,
és maldita entre todos os animais e todas as bestas da Terra; rastejarás sobre
o ventre, e comerás a terra todos os dias de tua vida. Colocarei uma inimizade
entre ti e a mulher, entre a sua raça e a tua. Ela te quebrará a cabeça e tu
tratarás de mordê-la pelo calcanhar.
Deus disse também à mulher: Eu vos afligirei com vários
males durante a vossa gravidez; parireis na dor; estareis sob a dominação de
vosso marido, e ele vos dominará.
Disse em seguida a Adão: Porque escutastes a voz de vossa
mulher, e comestes do fruto da árvore da qual vos proibi de comer, a terra será
maldita por causa do que fizestes, e dela não tirareis de que vos alimentar
durante toda a vossa vida senão com muito trabalho.
Ela vos produzirá espinhos e sarças, e vos nutrireis da erva
da terra. E comereis o vosso pão com o suor de vosso rosto, até que retorneis à
terra de onde fostes tirado, porque sois pó, e em pó retornareis.
E Adão deu à sua mulher o nome de Eva, que significa a vida,
porque era a mãe de todos os viventes.
O Senhor Deus fez também, para Adão e sua mulher, roupas de
peles com as quais os revestiu. E disse: Eis Adão tornado como um dos nossos
sabendo o bem e mal. Impeçamos, pois, agora, que não leve sua mão à árvore da
vida, que não tome também de seu fruto, e que, comendo desse fruto, não viva
eternamente.
O Senhor Deus fê-lo sair do jardim de delícias, a fim de que
fosse trabalhar na cultura da terra de onde fora tirado.
E tendo-os expulsado, colocou os querubins diante do jardim
de delícias, que faziam cintilar uma
espada de fogo, para guardar o caminho que conduzia à árvore da vida.
Sob uma imagem pueril, e às vezes ridícula, detendo-se na
forma, a alegoria esconde, frequentemente, as maiores verdades. (...) Na
Gênese, é necessário ver as grandes verdades morais sob figuras materiais que,
tomadas pela letra, seriam tão absurdas quanto se, em nossas fábulas, se
tomassem pelas letras as cenas e os diálogos atribuídos aos animais.
Adão é a personificação da Humanidade; sua falta
individualiza a fraqueza do homem, em quem predominam os instintos materiais, aos quais não sabe resistir. (Está
bem reconhecido hoje que a palavra hebraica haadam não é um nome próprio, mas
que significa o homem em geral, a Humanidade, o que destrói todo o alicerce
construído sobre a personalidade de Adão.)
A árvore, como árvore da vida, é o emblema da vida
espiritual; como árvore da ciência, é o da consciência do homem que adquire do
bem e do mal para o desenvolvimento de sua inteligência, e do livre-arbítrio em
virtude do qual ele escolhe entre os dois; marca o ponto em que a alma do homem
deixa de ser guiada somente pelos instintos, toma posse de sua liberdade e
incorre na responsabilidade de seus atos.
O fruto da árvore é o emblema do objetivo dos desejos
materiais do homem; é a alegoria da cobiça e da concupiscência; resume, sob uma
mesma figura, os motivos de arrastamento ao mal; comê-lo, é sucumbir à
tentação. Ele cresce no meio do jardim das delícias para mostrar que a sedução
está no próprio seio dos prazeres, e lembrar que, se o homem dá preponderância
aos gozos materiais, prende-se à Terra e afasta-se de sua destinação
espiritual.
A morte da qual está ameaçado, se transgride a proibição que
lhe é feita, é uma advertência das consequências inevitáveis, físicas e morais,
que arrasta a violação das leis divinas, que Deus gravou em sua consciência. É
bem evidente que não se trata aqui da morte corpórea, uma vez que, depois de
sua falta, Adão vive ainda por muito tempo, mas bem da morte espiritual, dito
de outro modo, da perda dos bens que resultam do adiantamento moral, perda da
qual a sua expulsão do jardim das delicias é a imagem.
A serpente está longe de passar hoje pelo tipo da astúcia;
está, pois, aqui, com relação à sua forma antes que pelo seu caráter, uma
alusão à perfídia dos maus conselhos que deslizam como a serpente, e nos quais,
frequentemente, por essa razão, não se confia mais. Alias, se a serpente, por
ter enganado a mulher, foi condenada a rastejar sobre o ventre, isso queria
dizer que ela antes tinha pernas, e, então, não era mais uma serpente.
É necessário, notar, por outro lado, que a palavra hebraica
nâhâsch, traduzida pela palavra serpente, vem da raiz nâhâsch que significa:
fazer encantamentos, adivinhar as coisas ocultas, e pode significar:
encantador, adivinho. (...) Não foi senão na versão dos Setenta, - que segundo
Hutcheson, corromperam o texto hebreu em muito lugares, - escrita em grego no
segundo século antes da era cristã, que a palavra nâhâsch foi traduzida por
serpente. As inexatidões dessa versão, sem dúvida, prendem-se às modificações
que a língua hebraica sofrera no intervalo; porque o hebreu do tempo de Moisés
era então uma língua morta, que diferia do hebreu vulgar, tanto quanto o grego
antigo e o árabe literário diferem do grego e do árabe modernos.
A passagem onde está dito que: “O Senhor passeava pelo
paraíso, depois do meio-dia, quando se levantou um vendo brando.” (...) Nada
tem que deva surpreender reportando-se à ideia que os Hebreus, dos tempos
primitivos, faziam da divindade. Para essas inteligências rudes, incapazes de
conceber abstrações, Deus devia revestir uma forma concreta, e referiam tudo à
Humanidade como ao único ponto conhecido. (...) É necessário, pois, considerar
essa passagem como uma alegoria da Divindade vigiando ela mesma os objetos de
sua criação.
(...)
Deus não criara Adão
e Eva para que permanecessem sozinhos sobre a Terra; e a prova disso está nas
próprias palavras que dirigiu imediatamente depois de sua formação, então
quando ainda estavam no paraíso terrestre: “Deus os abençoou e disse: Crescei e
multiplicai-vos, enchei a Terra e sujeitai-a.” (Cap. I, v. 28.) Uma vez que a
multiplicação do homem era uma lei desde o paraíso terrestre, a sua expulsão
não poderia ter por causa o fato suposto.
O que dá crédito a essa suposição é o sentimento de vergonha
de que Adão e Eva foram tomados diante de Deus, e que os levou a se esconderem.
Mas essa própria vergonha é uma figura por comparação: ela simboliza a confusão
que todo culpado sente em presença daquele a quem ofendeu. (...) Hoje, sabemos
que essa falta não foi um ato isolado, pessoal a um indivíduo, mas que ela
compreender, sob um fato alegórico único, o conjunto das prevaricações das
quais pode se tornar culpada a humanidade ainda imperfeita da Terra, e que se
resumem nestas palavras: infração às leis de Deus. Eis por que a falta do
primeiro homem, simboliza a humanidade, foi simbolizada, ela mesma, por um ato
de desobediência.
Dizendo a Adão que ele tiraria o
seu alimento da terra como suor de seu rosto, Deus simboliza a obrigação do
trabalho; mas por que faz do trabalho uma punição? Que seria da inteligência do
homem se ela não se desenvolvesse pelo trabalho? Que seria a terra, se ela não
fosse fecundada, transformada, saneada pelo trabalho inteligente do homem?
Está dito (cap. II, v. 5 e 7): “O
Senhor Deus não fizera ainda chover sobre a Terra, e não tinha nenhum homem
para trabalhá-la. O Senhor formou, pois, o homem do limo da terra.” Estas
palavras, aproximadas destas: Enchei a Terra, provam que o homem estava, desde
a origem, destinado a ocupar toda a Terra e a cultivá-la; e, por outro lado,
que o paraíso terrestre não era um lugar circunscrito sobre um canto do globo.
Se a cultura da Terra deveria ser a consequência da falta de Adão, disso
resulta que, se Adão não pecasse, a Terra ficaria inculta, e que os objetivos
de Deus não teriam se cumprido.
Por que disse Ele à mulher que,
porque ele cometeu a falta, parirá na dor? Como a dor do parto pode ser um
castigo, uma vez que é a consequência do organismo, e que está fisiologicamente
provado que ela é necessária? Como uma coisa que está segundo as leis da
natureza pode ser uma punição? (...)
Notemos, em primeiro lugar que se,
no momento da criação de Adão e Eva, sua alma fosse tirada do nada, como se
ensina, elas deveriam ser noviças em todas as coisas; não deveriam saber o que
é morrer. Uma vez que estavam sós sobre a Terra, enquanto viveram no paraíso
terrestre, não viram ninguém morrer; como compreenderiam o que era morrer? Como
Eva poderia compreender que parir na dor seria uma punição, uma vez que,
acabaria de nascer para a vida, nunca tivera filhos, e que era a única mulher
no mundo? (...) Não deveriam compreender nem o Criador nem o objetivo da
proibição que lhes fazia.
O Espiritismo explica sem
dificuldade e de maneira racional, pela anterioridade da alma e a pluralidade
das existências, lei sem a qual tudo é mistério e anomalia na vida do homem.
Com efeito, admitamos que Adão e Eva já tenham vivido, tudo se encontra
justificado: Deus não lhes fala como a crianças, mas como a seres em estado de
compreender e que o compreendem, prova evidente de que tem um conhecimento
anterior. Admiramos, por outro lado, que viveram num mundo mais avançado e
menos material do que o nosso, onde o trabalho do espírito supria o trabalho do
corpo; que pela sua rebelião à lei de Deus, figurada pela desobediência, hajam
sido excluídos e exilados, por punição, sobre a Terra, onde o homem, em
consequência da natureza do globo, está sujeito a um trabalho corporal, Deus
tinha razão em dizer-lhes: No mundo onde ides viver doravante, “cultivareis a
terra e dela retirareis o vosso alimento com o suor do vosso rosto;” e à
mulher: “Parireis com dor,” porque tal é a condição deste mundo.
O paraíso terrestre, cujos traços
inutilmente se tem procurado sobre a Terra, era, pois, a figura onde vivera
Adão, ou, antes, a raça dos espíritos dos quais é a personificação. A expulsão
do paraíso marca o momento em que esses espíritos vieram se encarnar entre os
habitantes deste mundo, e a mudança de situação que lhe foi a consequência. O
anjo armado de uma espada flamejante, que proíbe a entrada no paraíso,
simboliza a impossibilidade em que estão os espíritos dos mundos inferiores de
penetrar nos mundos superiores, antes de tê-lo merecido por sua depuração.
Eram necessários os conhecimentos
trazidos pelo Espiritismo a respeito das relações do princípio espiritual e do
princípio material, sobre a natureza da alma, sua criação no estado de
simplicidade e de ignorância, sua união com o corpo, sua marcha progressiva
indefinida através das existências sucessivas, e através dos mundos que são
outros tantos degraus no caminho do aperfeiçoamento, sua libertação gradual da
influência da matéria pelo uso de seu livre-arbítrio, a causa de seus pendores
bons ou maus e de suas aptidões, o fenômeno do nascimento e da morte, o estado
do espírito na erraticidade, enfim, o futuro que é o prêmio de seus esforços
para se melhorar e de sua perseverança no bem, para lançar a luz sobre todas as
partes da Gênese espiritual.
Graças a esta luz, o homem sabe
doravante de onde vem, para onde vai, por que está sobre a Terra e por que sobre;
sabe que o seu futuro está entre as suas mãos, e que a duração de seu cativeiro
neste mundo depende dele. A Gênese, saída da alegoria estreita e
mesquinha,aparece-lhe grande e digna da majestade, da bondade e da justiça do
Criador. Considerada deste ponto de vista, a Gênese confundirá a incredulidade
e vencê-la-á.
Fonte: A Gênese – Os Milagres e as Predições Segundo o
Espiritismo. Allan Kardec. Cap. XII.
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