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sexta-feira, 22 de fevereiro de 2019

ANTIGA LENDA EGÍPCIA DO PEIXINHO VERMELHO


                 No centro de formoso jardim, havia grade lago, adornado de ladrilhos azul-turquesa.

                Alimentado por diminuto canal de pedra, escoava suas águas, do outro lado, através de grade muito estreita.

                Nesse reduto acolhedor, vivia toda uma comunidade de peixes, a se refestelarem, nédios e satisfeitos, em complicadas locas1 (1Local sob uma laje que serve de toca para peixes), frescas e sombrias. Elegeram um dos concidadãos de barbatanas para os encargos de rei, e ali viviam plenamente despreocupados, entre a gula e a preguiça.

                Junto deles, porém, havia um peixinho vermelho, menosprezado de todos.

                Não conseguia pescar a mais leve larva, nem refugiar-se nos nichos barrentos.

                Os outros, vorazes e gordalhudos, arrebatavam para si todas as formas larvárias e ocupavam, displicentes, todos os lugares consagrados ao descanso.

                O peixinho vermelho que nadasse e sofresse. Por isso mesmo era visto, em correria constante, perseguido pela canícula2  (2calor muito forte) ou atormentado de fome.

                 Não encontrando pouso no vastíssimo domicílio, o pobrezinho não dispunha de tempo para muito lazer e começou a estudar com bastante interesse.

                Fez o inventário de todos os ladrilhos que enfeitavam as bordas do poço, arrolou todos os buracos nele existentes e sabia, com precisão, onde se reuniria maior massa de lama por ocasião de aguaceiros.

                Depois de muito tempo, à custa de longas perquirições, encontrou a grade do escoadouro.

                 À frente da imprevista oportunidade de aventura benéfica, refletiu consigo: “Não será melhor pesquisar a vida e conhecer outros rumos?”

                Optou pela mudança.

                Apesar de macérrimo pela abstenção completa de qualquer conforto, perdeu várias escamas, com grande sofrimento, a fim de atravessar a passagem estreitíssima.

                Pronunciando votos renovadores, avançou, otimista, pelo rego d’água, encantado com as novas paisagens, ricas de flores e sol que o defrontavam, e seguiu, embriagado de esperança...

                Em breve, alcançou grande rio e fez inúmeros conhecimentos.

                Encontrou peixes de muitas famílias diferentes, que com ele simpatizaram, instruindo-o quanto aos percalços da marcha e descortinando-lhe mais fácil roteiro.

                Embevecido, contemplou nas margens homens e animais, embarcações e pontes, palácios e veículos, cabanas e arvoredo.

                Habituado com o pouco, vivia com extrema simplicidade, jamais perdendo a leveza e a agilidade naturais.

                Conseguiu, desse modo, atingir o oceano, ébrio de novidade e sedento de estudo.

                De início, porém, fascinado pela paixão de observar, aproximou-se de uma baleia para quem toda a água do lago em que vivera não seria mais que diminuta ração; impressionado com o espetáculo, abeirou-se dela mais que deveria e foi tragado com os elementos que lhe constituíam a primeira refeição diária.

                Em apuros, o peixinho aflito orou ao Deus dos peixes, rogando proteção no bojo do monstro e, não obstante as trevas em que pedia salvamento, sua prece foi ouvida, porque o valente cetáceo começou a soluçar e vomitou, restituindo-o às correntes marinhas.

                O pequeno viajante, agradecido e feliz, procurou companhias simpáticas e aprendeu a evitar os perigos e tentações.

                Plenamente transformado em suas concepções do mundo, passou a reparar as infinitas riquezas da vida. Encontrou plantas luminosas, animais estranhos, estrelas móveis e flores diferentes no seio das águas. Sobretudo, descobriu a existência de muitos peixinhos, estudiosos e delegados tanto quanto ele, junto dos quais se sentia maravilhosamente feliz. 

                Vivia, agora, sorridente e calmo, no Palácio de Coral que elegera, com
centenas de amigos, para residência ditosa, quando, ao se referir ao seu começo laborioso, veio a saber que somente no mar as criaturas aquáticas dispunham de mais sólida garantia, uma vez que, quando o estio se fizesse mais arrasador, as águas de outra altitude continuariam a correr para o oceano.

                O peixinho pensou, pensou... e sentindo imensa compaixão daqueles com quem convivera na infância, deliberou consagra-se à obra do progresso e salvação deles.

                Não seria justo regressar e anunciar-lhes a verdade? Não seria nobre ampará-los, prestando-lhes a tempo valiosas informações?

                Não hesitou.

                 Fortalecido pela generosidade de irmãos benfeitores que com ele viviam no Palácio de Coral, empreendeu comprida viagem de volta.

                Tornou ao rio, do rio dirigiu-se aos regatos e dos regatos se encaminhou para os canaizinhos que o conduziram ao primitivo lar.

                Esbelto e satisfeito como sempre, pela vida de estudo e serviço a que se devotava, varou a grade e procurou, ansiosamente, os velhos companheiros.

                Estimulado pela proeza de amor que efetuava, supôs que o seu regresso causasse surpresa e entusiasmos gerais. Certo, a coletividade inteira lhe celebraria o feito, mas depressa verificou que ninguém se mexia.

                Todos os peixes continuavam pesados e ociosos, repimpados nos mesmos ninhos lodacentos, protegidos por flores de lótus, de onde saíam apenas para disputar larvas, moscas ou minhocas desprezíveis.

                Gritou que voltara a casa, mas não houve quem lhe prestasse atenção, porquanto ninguém, ali, dera pela ausência dele.

                Ridiculizado, procurou, então, o rei de guelras enormes e comunicou-lhes a reveladora aventura.

                O soberano, algo entorpecido pela mania de grandeza, reuniu o povo e permitiu que o mensageiro se explicasse.

                O benfeitor desprezado, valendo-se do ensejo, esclareceu, com ênfase, que havia outro mundo líquido, glorioso e sem-fim. Aquele poço era uma insignificância que podia desaparecer de momento para outro. Além do escoadouro próximo desdobravam-se outra vida e outra experiência. Lá fora, corriam regatos ornados de flores, rios caudalosos repletos de seres diferentes e, por fim, o mar, onde a vida aparece cada vez mais rica e mais surpreendente. Descreveu o serviço de tainhas e salmões, de trutas e esqualos. Deu notícias do peixe-lua, do peixe-coelho e do galo-do-mar. Contou que vira o céu repleto de astros sublimes e que descobrira árvores gigantescas, barcos imensos, cidades praieiras, monstros temíveis, jardins submersos, estrelas do oceano e ofereceu-se para conduzi-los ao Palácio de Coral, onde viveriam todos, prósperos e tranquilos. Finalmente os informou de que semelhante felicidade, porém, tinha igualmente seu preço. Deveriam todos emagrecer convenientemente, abstendo-se de devorar tanta larva e tanto verme nas locas escuras e aprendendo a trabalhar e estudar tanto quanto era necessário à venturosa jornada.

                Assim que terminou, gargalhadas estridentes coroaram-lhe a preleção.

                Ninguém acreditou nele.

                Alguns oradores tomaram a palavra e afirmaram solenes, que o peixinho vermelho delirava, que outra vida além do poço era francamente impossível, que aquela história de riachos, rios e oceanos era mera fantasia de cérebro demente e alguns chegaram a declarar que falavam em nome do Deus dos peixes, que trazia os olhos voltados para eles unicamente.

                O soberano da comunidade, para melhor ironizar o peixinho, dirigiu-se em companhia dele até a grade de escoamento e, tentando, de longe, a travessia, exclamou borbulhante:
                - Não vês que não cabe aqui nem uma si de minhas barbatanas? Grande tolo! Vai-te daqui! Não nos perturbes o bem-estar... Nosso lago é o centro do universo... Ninguém possui vida igual à nossa! ...

                Expulso a golpes de sarcasmo, o peixinho realizou a viagem de retorno e instalou-se, em definitivo, no Palácio de Coral, aguardando o tempo.

                Depois de alguns anos, apareceu pavorosa e devastadora seca.

                As águas desceram de nível. E o poço onde viviam os peixes pachorrentos e vaidosos esvaziou-se, compelindo a comunidade inteira a perecer, atolada na lama...

***

                Esta lenda narrada está na mensagem inicial escrita pelo Espírito Emmanuel, no livro Libertação, psicografado por Chico Xavier, pelo Espírito André Luiz. O Espírito Emmanuel ao final da narrativa desta lenda egípcia fala sobre o esforço que o Espírito André Luiz fez para mostrar a nós encarnados os outros caminhos que ele percorreu no plano espiritual, nos seus livros para nos informar de outros mundos e modo de viver, assim como de outras paisagens e horizontes... O Espírito Emmanuel encerrou a sua mensagem de abertura do Livro Libertação explicando sobre a lenda egípcia do peixinho vermelho, concluindo da seguinte forma para nos elucidar melhor:

                O esforço de André Luiz, buscando acender luz nas trevas, é semelhante à missão do peixinho vermelho.
                Encantado com as descobertas do caminho infinito, realizadas depois de muitos conflitos no sofrimento, volve aos recôncavos da crosta terrestre, anunciando aos antigos companheiros que, além dos cubículos em quem se movimentam, resplandece outra vida, mais intensa e mais bela, exigindo, porém, acurado aprimoramento individual para a travessia da estreita passagem de acesso ás claridades da sublimação.
                Fala, informa, prepara, esclarece...
                Há, contudo, muitos peixes humanos que sorriem e passam, entre a mordacidade e a indiferença, procurando locas passageiras ou pleiteando larvas temporárias.
                Esperam um paraíso gratuito com milagrosos deslumbramentos depois da morte do corpo.
                Mas, sem André Luiz e sem nós, humildes servidores de boa vontade, para todos os caminheiros da vida humana pronunciou o Pastor Divino as indeléveis palavras: “A cada um será dado de acordo com as suas obras.” – Emmanuel. Pedro Leopoldo (MG), 22 de fevereiro de 1949.  

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