Aprendeste que foi dito: Amareis
vosso próximo e odiareis vossos inimigos. E eu vos digo: Amai os vossos
inimigos, fazei o bem aqueles que vos odeiam e orai por aqueles que vos
perseguem e vos caluniam; a fim de que sejais os filhos de vosso Pai que está nos
céus, que faz erguer o Sol sobre os bons e sobre os maus, e faz chover sobre os
justos e os injustos; porque se não amardes senão aqueles que vos amam, que
recompensa disso tereis? Os publicanos não o fazem também? E se não saudardes
senão os vossos irmãos, que fazeis nisso mais que os outros? Os publicanos não
o fazem também? Eu vos digo que se a vossa justiça não for mais abudante que a
dos Escribas e dos fariseus, não entrareis no reino dos céus. (São Mateus, cap.
V, v. 20 e de 43 a 47).
Se não amardes senão aqueles que
vos amam, que recompensa tereis, uma vez que as pessoas de má vida amam também
aqueles que as amam? E se não fazeis o bem senão aqueles que vo-lo fazem, que
recompensa tereis, uma vez que as pessoas de má vida fazem a mesma coisa? E se
vós não emprestais senão aqueles de quem esperais receber o mesmo favor, que
recompensa tereis, uma vez que as pessoas de má vida se emprestam mutuamente
para receber a mesma vantagem? Mas, por vós, amai os vossos inimigos, fazei o
bem a todos, e emprestai sem disso nada esperar, e então vossa recompensa será
muito grande, e sereis os filhos do Altíssimo, que PE bom para os ingratos e
mesmo para os maus. Sede, pois, cheios de misericórdia, como vosso Deus é cheio
de misericórdia. (São Lucas, cap. VI, v de 32 a 36).
Se o amor ao próximo é o
princípio da caridade, amar os inimigos é a sua aplicação sublime, porque esta
virtude é uma das maiores vitorias alcançadas sobre o egoísmo e o orgulho.
Entretanto, equivoca-se
geralmente sobre o sentido da palavra amor nessa circunstância; Jesus não quis
dizer, por essas palavras, que se deve ter pelo inimigo a ternura que se tem
para com um irmão ou amigo; a ternura supõe a confiança; ora, não se pode ter
confiança naquele que sabemos nos querer mal; não se pode ter com ele os
transportes de amizade, porque se sabe que é capaz de abusar disso; entre
pessoas que desconfiam uma das outras, não poderá haver os laços de simpatia
que existem entre aquelas que estão em comunhão de pensamentos; não se pode,
enfim, ter o mesmo prazer ao se encontrar com um inimigo do que com um amigo.
Esse sentimento resulta mesmo de
uma lei física: a da assimilação e da repulsão dos fluidos; o pensamento
malévolo dirige uma corrente fluídica cuja impressão é penosa; o pensamento
benevolente vos envolve de um eflúvio agradável; daí a diferença de sensações
que se experimenta à aproximação de um amigo ou de um inimigo. Amar os inimigos
não pode, pois, significar que não se deve fazer nenhuma diferença entre eles e
os amigos; esse preceito parece difícil, impossível mesmo de se praticar,
porque se crê falsamente que prescreve lhes dar o mesmo lugar no coração. Se a
pobreza das línguas humanas obriga a se servir do mesmo termo para exprimir
diversas nuanças de sentimentos, a razão deve diferenciá-los segundo o caso.
Amar os inimigos não é, pois, ter
para com eles uma afeição que não está na Natureza, porque o contato de um
inimigo faz bater o coração de maneira bem diferente do de um amigo; é não ter
contra eles nem ódio, nem rancor, nem desejo de vingança; é perdoar-lhes sem
segunda intenção e incondicionalmente o mal que nos fazem; é não opor nenhum
obstáculo à reconciliação; é desejar-lhes o bem, em lugar de desejar-lhes o
mal; é regozijar-se em lugar de se afligir pelo bem que os alcança; é lhes
estender mão segura em caso de necessidade; é abster-se, em palavras e em
ações, de tudo o que possa prejudicá-los; enfim, é lhes retribuir em tudo, o
mal com o bem, sem intenção de os humilhar. Quem quer que faça isso cumpre as
condições do mandamento: Amai os vossos inimigos.
Amar os inimigos é um absurdo
para o incrédulo; aquele para quem a vida presente é tudo, não vê no inimigo
senão um ser nocivo perturbando sua tranquilidade, e do qual crê que só a morte
pode livrá-lo; daí o desejo de vingança; não tem nenhum interesse em perdoar se
isso não é para satisfazer seu orgulho aos olhos do mundo; perdoar mesmo, em
certos casos, lhe parece uma fraqueza indigna de si; se não se vinga, não lhe
conserva menos rancor e um secreto desejo do mal.
Para o crente, mas para o
espírita sobretudo, a maneira de ver é diferente, porque ele considera o
passado e o futuro, entre os quais a vida presente não é senão um ponto; sabe
que, pela própria destinação da Terra, deve prever encontrar nela homens maus e
perversos; que as maldades das quais é alvo fazem parte das provas que deve
suportar, e o ponto de vista elevado em que se coloca, lhe torna as
vicissitudes menos amargas, venham elas dos homens ou das coisas; se ele não se
queixa das provas, não deve murmurar contra aqueles que delas são os
instrumentos; se, em lugar de se lamentar, agradecer a Deus por experimentá-lo,
deve agradecer a mão que lhe fornece a ocasião de provar sua paciência e sua
resignação. Esse pensamento o dispõe naturalmente ao perdão; ele sente, por
outro lado, que quanto mais é generoso, mais se engrandece aos próprios olhos e
se acha fora do alcance dos golpes malevolentes do seu inimigo.
O homem que ocupa uma posição
elevada no mundo não se crê ofendido pelos insultos daquele a quem considera como
seu inferior; assim ocorre com aquele que se eleva, no mundo moral, acima da
Humanidade material; ele compreende que o ódio e o rancor o aviltariam e o
rebaixariam; ora, para ser superior ao seu adversário, é preciso que tenha a
alma maior, mais nobre e mais generosa.
Fonte: O Evangelho Segundo o Espiritismo. Allan Kardec.
Capítulo XII, itens 1 à 4.