A ciência deu a chave dos
milagres que resultam, mais particularmente, do elemento material, seja
explicando-os, seja demonstrando-lhes a impossibilidade, pelas leis que regem a
matéria; mas os fenômenos em que o elemento espiritual toma parte preponderante,
não podendo ser explicados unicamente pelas leis da matéria, escapam às
investigações da ciência: é por isso que eles tem, mais que os outros, os
caracteres aparentes do maravilhoso. É, pois, nas leis que regem a vida
espiritual que se pode encontrar a chave dos milagres desta categoria.
O fluido cósmico universal é, assim
como foi demonstrado, a matéria elementar primitiva, da qual as modificações e
transformações constituem a inumerável variedade de corpos da Natureza. Quanto
ao princípio elementar universal, ele oferece dois estados distintos: o da
eterização ou de imponderabilidade, que se pode considerar como o estado normal
primitivo, e o da materialização ou de ponderabilidade que, de alguma sorte,
não lhe é senão consecutivo. O ponto intermediário é o da transformação do
fluido em matéria tangível; mas, ainda aí, não há transição brusca, porque se
podem considerar nossos fluidos imponderáveis como um termo médio entre os dois
estados.
Cada um destes dois estados dá,
necessariamente, lugar a fenômenos especiais: ao segundo pertencem os do
mundo visível, e os primeiros, os do
mundo invisível. Uns, chamados fenômenos materiais, são da alçada da ciência
propriamente dita; os outros, qualificados de fenômenos espirituais ou
psíquicos, porque se ligam mais especialmente à existência dos espíritos, estão
nas atribuições do Espiritismo; mas como a vida espiritual e a vida corpórea
estão em contato incessante, os fenômenos destas duas ordens se apresentam, com
frequência, simultaneamente. O homem, no estado de encarnação, não pode ter a
percepção senão dos fenômenos psíquicos que se ligam à vida corpórea; aqueles
que são do domínio exclusivo da vida espiritual escapam aos sentidos materiais,
e não podem ser percebidos senão no estado de espírito.
No estado de eterização, o
fluido cósmico não é uniforme; sem deixar de ser etéreo, ele sofre modificações
bastante variadas em seu gênero, e mais numerosas talvez que no estado de
matéria tangível. Essas modificações constituem os fluidos diferentes que, se bem
que procedendo do mesmo princípio, estão dotados de propriedades especiais, e
dão lugar aos fenômenos particulares do mundo invisível.
Tudo sendo relativo, esses
fluidos tem, para os espíritos, que são eles mesmos fluídicos, uma aparência
tão material quanto à dos objetos
tangíveis para os encarnados, e são para eles o que são para nós as substâncias
do mundo terrestre; eles os elaboram, os combinam para produzirem efeitos
determinados, como fazem os homens com os seus materiais, todavia, por procedimentos
diferentes.
Mas lá, como neste mundo, não é
dado senão aos espíritos mais esclarecidos compreenderem o papel dos elementos
constitutivos de seu mundo. Os ignorantes do mundo invisível são tão incapazes
de explicar os fenômenos de que são testemunhas, e para os quais, com
frequência, concorrem maquinalmente, quando os ignorantes da Terra o são para
explicarem os efeitos da luz ou da eletricidade, de dizerem como veem e ouvem.
Os elementos fluídicos do mundo
espiritual escapam aos nossos instrumentos de análise e à percepção de nossos
sentidos, feitos para a matéria tangível e não para a matéria etérea. Há os que
pertencem a um meio de tal modo diferente do nosso, que não podemos julgá-los
senão por comparações, tão imperfeitas quanto aquelas pelas quais um cego de
nascença procura fazer para si uma idéia de teoria das cores.
Mas, entre estes fluidos, alguns
estão intimamente ligados à vida corpórea, e pertencem, de alguma sorte, ao
meio terrestre. Na falta de percepção direta, pode-se observar-lhe os efeitos,
como se obsevam os do fluido do ímã, que nunca se viu, e adquirir sobre a sua
natureza conhecimento de uma certa precisão. Este estudo é essencial, porque é
a chave de uma multidão de fenômenos inexplicáveis unicamente pelas leis da matéria.
O ponto de partida do fluido
universal é o grau de pureza absoluta, de que nada pode nos dar uma idéia; o
ponto oposto é a sua transformação em matéria tangível. Entre estes dois
extremos, existem inumeráveis transformações, que se aproximam, mais ou menos,
de um ou do outro. Os fluidos mais vizinhos da materialidade, os menos puros
por consequência, compõem o que se pode chamar a atmosfera espiritual
terrestre. É neste meio, onde se encontram igualmente diferentes graus de
pureza, que os espíritos encarnados e desencarnados da Terra haurem os
elementos necessários à economia de sua existência. Estes fluidos, por sutis e
impalpáveis que sejam para nós, não o são menos de uma natureza grosseira,
comparativamente aos fluidos etéreos das regiões superiores.
Ocorre o mesmo na superfície de
todos os mundos, salvo as diferenças de constituição e as condições de
vitalidade próprias a cada um. Quanto menos a vida é material, menos os fluidos
espirituais tem afinidade com a matéria, propriamente dita.
A qualificação de fluidos
espirituais não é rigorosamente exata, uma vez que, em definitivo, é sempre da
matéria mais ou menos quintessenciada. Não há de realmente espiritual senão a
alma ou principio inteligente. São assim designados por comparação, e em razão,
sobretudo, de sua afinidade com os espíritos. Pode-se dizer que são a matéria
do mundo espiritual: é por isso que são chamados fluidos espirituais.
Quem conhece, aliás, a
constituição íntima da matéria tangível? Talvez não seja ela compacta senão em
relação aos nossos sentidos, e o que o provaria é a facilidade com que é
atravessada pelos fluidos espirituais, e os espíritos, para os quais não são mais
obstáculos do que os corpos transparentes não o são para a luz.
A matéria tangível, tendo por
elemento primitivo o fluido cósmico etéreo, deve poder, em se desagregando,
retornar ao estado de eterização, como o diamante, o mais duro dos corpos, pode
se volatizar em gás impalpável. A solidificação da matéria, em realidade, não é
senão um estado transitório do fluido universal, que pode retornar ao seu
estado primitivo quando as condições de coesão deixam de existir.
Quem sabe mesmo se, no estado de
tangibilidade, a matéria não seria suscetível de adquirir uma espécie de
eterização que lhe daria propriedades particulares? Certos fenômenos, que
parecem autênticos, tendem a fazê-lo supor. Não possuímos ainda senão as
balizas do mundo invisível, e o futuro nos reserva, sem dúvida, o conhecimento
de novas leis que nos permitirão compreender
que é ainda, para nós, um mistério.
Fonte: A
Gênese . Allan Kardec. Capítulo XIV, itens 1 à 6.