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sábado, 4 de fevereiro de 2017

Post.242: COMO SURGIU O CARNAVAL?

         A busca da alegria sempre foi parte integrante da nossa existência.

        No passado, em Roma, as tensões do ser humano eram descarregadas no Circo Máximo, quando o imperador oferecia alimento e divertimento às massas. Essas práticas se espalharam pelo mundo inteiro, desenvolvendo-se em cada região com as características específicas das culturas locais. Também havia as célebres Saturnais, comemorações que se estendiam por uma semana e ocorriam durante o solstício de inverno, no dia mais curto do inverno europeu (25 de dezembro). O evento se tornou conhecido como a festa dos escravos, dedicada aos deuses Saturno e outros.

       Nessa festa as pessoas se esqueciam de tudo que se refere ao equilíbrio para se dedicarem ao desbordamento do prazer. Era um momento hedonista, do gozo, da beleza e da ausência absoluta de pudor. Os escravos e os senhores eram livres para fazerem o que quisessem. Havia uma promiscuidade tão tremenda, que os cristãos, na fase da História em que a doutrina era permitida pelo Império Romano, procuraram esvaziar as Saturnais colocando a data do Natal para 25 de dezembro.

       À medida que o Cristianismo se propagou e foi eliminando os excessos de atividades dedicadas aos deuses pagãos, foram criadas as celebrações e as festas populares para substituir as antigas comemorações.


       Séculos depois essas festas ganharam outros rumos. Reapareceram em Veneza, nos conhecidos bailes de máscaras, em que uma pessoa, utilizando-se de pequenas máscaras, procurava ocultar a identidade para participar das comemorações. A princípio era uma festa ingênua, com música, encontros e encantos, para depois se transformar em uma ocasião de entrega irrefletida às mais variadas paixões humanas. Surge aí a figura literária do Don Juan, o conquistador barato que retratava os homens sedutores de moças desavisadas, que se lhes entregavam com muita facilidade.

       Mais tarde o Carnaval se instalou na Cote d’Azur, na Riviera Francesa, proporcionando experiências de insensatez e promiscuidade muito mais graves.

       Em meio a essas comemorações, nasceu uma expressão latina com a seguinte frase: “A carne nada vale”. Ao destacar-se a primeira sílaba de cada palavra surge a expressão carnaval. E a festa foi colocada antes da semana da Páscoa, estendendo-se até a quarta-feira de cinzas, que é uma herança judaica relativa ao mito bíblico da Criação, segundo o qual o homem foi criado do pó da terra e a ele voltará. Aliás, era exatamente para recordar este princípio que muitas pessoas periodicamente se cobriam de pó. São Francisco de Assis, por exemplo, ao sentir a aproximação da morte, pediu que o despissem e o cobrissem de cinzas.

       Portanto, essa tradição de que a carne nada vale encontrou no Carnaval o espaço propício para se manifestar. Após as comemorações, as pessoas se arrependiam pelas loucuras cometidas (ou fingiam arrependimento) e recorriam às cinzas para se depurar. Foi a Igreja Cristã primitiva que criou a Quarta feira de cinzas, cujo símbolo eram os ramos verdes que recordavam a entrada triunfal do Cristo em Jerusalém. Os ramos eram queimados, transformados em pó e utilizados para fazer o sinal da cruz na testa daqueles que participavam das suas crenças, garantindo assim o perdão total às alucinações praticadas no período carnavalesco.

       Trazido pelos portugueses e pelos espanhóis, o Carnaval chegou ao Continente Americano, recebendo também a contribuição da cultura negra trazida pelos escravos africanos, que lhe acrescentaram a sensualidade do batuque, com seu ritmo que induz ao transe para experimentar o prazer das sensações mais grosseiras.

       No Brasil, a contribuição dos portugueses foi particularmente significativa. Eles trouxeram uma forma de comemoração denominada Entrudo, de lamentável recordação. Nessa festividade, as pessoas atiravam umas nas outras todo tipo de substâncias que pudessem sujá-las, inclusive dejetos humanos, em uma imundície que proporcionava problemas de saúde e que inutilmente foi combatida pelas autoridades. A cidade passava a ter odores pútridos em toda parte.

       Ao lado do Entrudo na via pública, havia também festas em clubes e ambientes fechados. Logo depois surgiram os concursos de fantasias, em que se podia exibir a riqueza da imaginação e da arte. E lentamente as formas iniciais de comemoração foram assumindo a configuração atual do Carnaval, quando os foliões prestam homenagem ao deus Momo, o deus-prazer. Esta simbologia é muita curiosa. A cada ano é eleito um rei Momo (primeiro, único e último) que assume o posto de comandante simbólico das festividades. Ele é celebrizado pela sua obesidade e ociosidade porque no passado a gordura significava boa alimentação, saúde e projeção social. Somente no século XX é que a Ciência detectou os inúmeros malefícios à saúde que a obesidade pode provocar, e já se elegem os magros...

        Desta forma, o Carnaval assumiu a feição de grande bacanal, a celebração do deus Baco, o deus do vinho, da embriaguez e do prazer, segundo a mitologia grega. E tornou-se uma genuína tragédia do cotidiano. O Carnaval nos faz retroceder ao primitivismo, quando acessamos vícios soterrados em nosso inconsciente.

       A sensualidade sempre esteve presente desde as manifestações iniciais do Carnaval. Normalmente era algo mais insinuante do que explícito. A nudez denominada hoje de nu artístico, provocante e sem a menor cerimônia, é uma expressão comportamental recente, porque muitos homens e mulheres abandonaram completamente o bom-senso. O problema não está na apresentação do nu em si. O problema está em exibir o corpo em atitudes vulgares, que denotam que a pessoa não se valoriza, que perdeu o respeito por si mesma. Aliás, excetuando-se os indivíduos atormentados, a ruptura total do pudor provoca até um certo asco nas pessoas equilibradas, como consequência do largo processo de civilização, de ética e de cultura que influenciam a nossa estrutura psicológica. Equivale a dizer que um choque repentino de erotismo exacerbado nos perturba porque confronta com os valores de equilíbrio que já construímos ao longo da História. Já não necessitamos de tantas sensações agressivas, relativas ao primitivismo que dominava o nosso passado antropológico. Essas sensações se transformaram e assumiram outra feição, principalmente no que diz respeito ao sexo, que hoje pode ser vivenciado com afetividade e consciência, sem o assalto pelo prazer imediato, fugaz e destituído de sentido.


Fonte: Livro Sexo e Consciência de Divaldo Franco. Organizado por Luiz Fernando Lopes.



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