Quando veio até o povo, um homem
se aproximou dele, lançou-se-lhe de joelhos aos pés, e lhe disse: Senhor, tende
piedade de meu filho, que está lunático e sofre muito, porque ele cai
frequentemente no fogo e frequentemente na água. Eu o apresentei aos vossos
discípulos, mas não puderam curá-lo. E Jesus respondeu, dizendo: Ó raça
incrédula e depravada, até quando estarei convosco? Até quando vos sofrerei?
Trazei-me aqui essa criança. E Jesus, tendo ameaçado o demônio, ele saiu da
criança, que foi curada no mesmo instante. Então os discípulos vieram encontrar
Jesus em particular, e lhe disseram: Por que não puderam, nós outros, expulsar
esse demônio? Jesus lhe respondeu: É por causa da vossa incredulidade. Porque
eu vô-lo digo em verdade: se tivésseis fé como um grão de mostarda, diríeis a
esta montanha: Transporta-te daqui para ali, e ela se transportaria, e nada vos
seria impossível. (São Mateus, cap. XVII, v. de 14 a 20).
No
sentido próprio, é certo que a confiança nas próprias forças torna capaz de
executar coisas materiais que não se pode fazer quando se duvida de si; mas
aqui é unicamente no sentido moral que é preciso entender essas palavras. As
montanhas que a fé transporta são as dificuldades, as resistências, a má
vontade, numa palavra, que se encontra entre os homens, mesmo quando se trata
das melhores coisas; os preconceitos da rotina, o interesse material, o
egoísmo, a cegueira do fanatismo, as paixões orgulhosas, são outras tantas
montanhas que barram o caminho de todo aquele que trabalha pelo progresso da
humanidade. A fé robusta dá a perseverança, a energia e os recursos que fazem
vencer os obstáculos, nas pequenas como nas grandes coisas; a que é vacilante
dá a incerteza, a hesitação de que se aproveitam aqueles que se quer combater;
ela não procura os meios de vencer, porque não crê poder vencer.
Noutra
acepção, a fé se diz da confiança que se tem no cumprimento de uma coisa, da
certeza de atingir um fim; ela dá uma espécie de lucidez que faz ver, no
pensamento, o fim para o qual se tende e os meios de atingi-lo, de sorte que
aquele que a possui caminha, por assim dizer, com certeza. Num e noutro caso, ela
pode fazer realizar grandes coisas.
A fé sincera e verdadeira é sempre calma; dá a
paciência que sabe esperar, porque tendo seu ponto de apoio na inteligência e
na compreensão das coisas, está certa de chegar; a fé incerta sente a sua
própria fraqueza; quando está estimulada pelo interesse, torna-se colérica e
crê suprir a força pela violência. A calma na luta é sempre um sinal de força e
de confiança; a violência, ao contrario, é uma prova de fraqueza e de duvida de
si mesmo.
É
preciso se guardar de confundir a fé com a presunção. A verdadeira fé se alia à
humildade; aquele que a possui coloca sua confiança em Deus mais do que em si
mesmo, porque sabe que, simples instrumento da vontade de Deus, não pode nada
sem Ele; por isso, os bons espíritos vêm em sua ajuda. A presunção é menos a fé
do que o orgulho, e o orgulho é sempre castigado, cedo ou tarde, pela decepção
e pelos fracassos que lhe são infligidos.
O poder
da fé recebe uma aplicação direta e especial na ação magnética; por ela o home
age sobre o fluido, agente universal, lhe modifica as qualidades e lhe dá uma
impulsão, por assim dizer, irresistível. Por isso, aquele que, a um grande
poder fluídico normal junta uma fé ardente, pode, apenas pela vontade dirigida
para o bem, operar esses fenômenos estranhos de cura e outros que, outrora,
passariam por prodígios e que não são, todavia, senão consequências de uma lei
natural. Tal o motivo pelo qual Jesus disse aos seus apóstolos: se não curastes
é que não tínheis a fé.
Fonte: O Evangelho Segundo o Espiritismo. Allan Kardec.
Cap.: XIX – itens de 1 à 5.
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