- Mas, meu bem, é um período muito largo! Um ano parece que não passa nunca! Especialmente quando as pessoas estão separadas...
- Não vejo desta forma, querida! Eu creio que o tempo passa muito rápido quando temos uma meta. As metas são a manifestação mais explícita da nossa necessidade e nos aproximam daquilo a que aspiramos.
Por fim, o marido convenceu a esposa e viajou ao Japão.
Naquela época, o telefone internacional era muito difícil de ser utilizado. Por isso, o marido comunicava-se com a esposa por intermédio de cartas e de cartões que enviava periodicamente, numa linha de correspondência especial que os Estados Unidos mantinham para suas tropas, suas autoridades legais e seus técnicos enviados ao Japão para a missão de reconstrução que mencionamos.
Algumas vezes, ele conseguia comunicar-se através das ondas de rádio, em equipamentos do governo americano. E ambos choravam profundamente... Era uma saudade que corroia o peito como um ácido poderoso...
Seis meses, oito meses... No décimo mês ele fez uma carta longa e lhe disse:
“Os meus serviços são tão excelentes, que eu recebi uma nova proposta para ficar mais seis meses no Japão. Retornarei à América como um homem rico e não terei mais necessidade de trabalhar. Eu penso que você me concederá esses próximos oito meses: dois que faltam para completar o contrato anterior e seis que se referem ao novo contrato que me propuseram.”
Ela ficou entristecida e respondeu-lhe que já estava esgotada. Seu sistema nervoso e sua saúde apresentavam distúrbios que precisavam ser cuidados. Entretanto, reconhecia que não havia outra alternativa, já que ele era tão importante para a reconstrução daquele pais despedaçado pelo confronto armado. Enfim, declarou que concordava.
Depois de alguns meses as cartas começaram a diminuir. Ela entendeu que lhe faltava tempo para escrever e resolveu contentar-se com os postais. Porém, em pouco tempo, essa forma de comunicação também começou a torna-se rara.
Ao completar-se o quarto mês do novo contrato, faltando, por tanto dois meses para o seu retorno aos Estados Unidos, ele enviou-lhe uma carta extensa, na qual expunha:
“Peço que você me perdoe e que me compreenda. Os homens são diferentes biológicas psicologicamente das mulheres. O período de minha ausência, foi realmente muito longo... E eu não suportei a solidão e o trabalho áspero. Acabo de casar-me com uma japonesa. Solicitei o divórcio pelos meios legais e imediatamente providenciei a minha nova união conjugal. Eu não quis lhe contar antes para não a magoar. Perdoe-me! Eu sei que você me ama e que teve resistências para suportar esta vida de solidão e abstinência intima. Mas eu não consegui. Apaixonei-me pela camareira japonesa que vinha arrumar o meu apartamento. Ela é uma mulher pequenina, do tipo tímida e ao mesmo tempo muito simpática. É realmente uma pessoa de perfil diferente daquelas com as quais estamos acostumados na América. Não dez nenhum movimento para seduzir-me. Fui eu que me apaixonei e a conquistei, pois a amei profundamente. Você será capaz de me perdoar?
Ao terminar a leitura, a esposa experimentou um grande choque emocional. Estava divorciada e nem sequer fazia ideia! Todos os seus sonhos de mulher e toda a sua vida pareciam ruir diante de algumas palavras numa correspondência. Como aquela carta era cruel! Como pode um pedaço de papel destruir uma vida? Então ela o odiou com todas as forças da alma! Logo em seguida pegou a carta e rasgou-a, entrando em um estado de intensa deterioração afetiva.
Transcorridos vários dias, depois de meditar, ela respondeu ao ex-marido:
“Eu o amo muito! Não sei se sou capaz de lhe perdoar, mas pelo menos sou capaz de entender você. Eu gostaria de saber qual é o nome da sua nova esposa.”
Ele, posteriormente informou que a esposa japonesa se chamava Aiko e ambos continuaram a manter uma tímida correspondência.
Quatro meses depois ele escreveu mais uma vez e comunicou-lhe:
“Quero dar-lhe uma notícia de grande importância para minha vida. Dentro de alguns meses eu serei pai! Infelizmente, em nosso longo casamento de vinte anos, Deus não nos abençoou com a alegria de ter filhos. Mas agora eu serei pai!”.
Luísa leu a carta e sentiu um misto de amargura e de alegria. Era como se ele estivesse dizendo que a culpa por não terem tido filhos era dela. Embora essa ideia não estivesse explícita, a mensagem subliminal parecia impregnar as palavras do ex-marido.
Quando a criança nasceu, ele enviou nova correspondência para dar a notícia:
“Tornei-me pai de uma menina linda! E como eu amo muito você, coloquei o seu nome na minha filha. Desta forma você estará sempre próxima de mim, pois eu não consigo esquecê-la”.
A notícia chegava à ex-esposa como um duro golpe que ela teve que assimilar. Em seguida, reuniu todas as forças para manter-se digna e gentil, enviando um presente para a menina que acabara de nascer.
Dez meses depois, uma carta do antigo companheiro informa que todos estavam muito bem, que a menina crescia de forma saudável e que a sua esposa japonesa estava grávida novamente. Ao mesmo tempo ele enviava uma fotografia sua com a nova família.
Transcorridos mais alguns meses, ele comunicou que a gravidez estava indo muito bem e que as expectativas em torno do parto eram as melhores possíveis. No entanto, algo de estranho acontecera. Ele estava com um problema respiratório, mas os médicos ainda não haviam definido o diagnostico da doença. Tudo que ele podia dizer é que frequentemente sentia uma dor intensa no peito e que respirava com dificuldade. Provavelmente se tratava de uma consequência do consumo prolongado de cigarros, uma vez que há muitos anos ele era tabagista.
A criança veio à luz e o pai enviou as notícias, colocando no final da carta uma informação breve sobre o seu estado de saúde:
“Os médicos me disseram que eu tenho um câncer de pulmão. A minha sobrevida é de apenas quatro meses no máximo...”.
A informação produziu um grande impacto na ex-esposa, que se preparava para receber em breve mais uma dolorosa notícia.
Mais tarde ela recebeu uma carta de Aiko, a esposa japonesa. Era um texto mal redigido, em um inglês sinuoso, repleto de incorreções gramaticais e ideias desconexas. Contudo, foi o suficiente para que ela entendesse que o marido de ambas havia desencarnado, o que a fez entrar em estado de profunda tristeza...
Decorrido algum tempo, a viúva nipônica enviou-lhe uma correspondência revelando que passava por grandes dificuldades financeiras. A situação no Japão era terrível! E na verdade o marido não recebia um salário de enormes proporções, pois a sua função não era das mais importantes. Quando estava encarnado ele preferiu projetar uma imagem de abundância para não preocupar a ex-mulher nos Estados Unidos.
Quando terminou de ler a carta, ela meditou demoradamente e decidiu enviar-lhe um cheque com uma importante soma em dinheiro. Afinal, as duas crianças eram filhas do homem que ela amou durante toda a vida.
Dois anos depois, a japonesa comunicou que continuava muito difícil cuidar das crianças em meio à recessão instalada em seu país. A adaptação à nova era apresentava desafios quase insuperáveis. Por ser uma japonesa casada com um americano, a jovem mãe sofria o preconceito e a rejeição de quase todos ao seu redor. As suas filhas, mestiças, padeciam com as provocações constantes dos cidadãos americanos que residiam no Japão.
Nessa época, os Estados Unidos estavam recebendo os familiares dos americanos que se haviam casado fora do país. Mas o Departamento de Estado era muito severo ao selecionar aqueles que seriam admitidos em solo americano. E como a japonesa não contava com nenhuma ajuda, tornava-se pouco provável a sua transferência.
Quando a viúva americana analisou o contexto doloroso em que se encontravam a jovem mãe, tomou uma decisão corajosa e nobre. Fez uma carta muito longa e propôs à japonesa:
“Você gostaria que eu educasse as suas duas filhas aqui na América? Elas aprenderiam o inglês e estariam em segurança comigo. Eu moro em uma casa enorme nos arredores de Boston, uma verdadeira mansão na qual elas ficariam muito bem acomodadas. Eu educaria as suas crianças como se fossem minhas próprias filhas. Eu as educaria para você, fazendo por elas tudo aquilo que estiver ao meu alcance. Sei que para uma mãe deve ser terrível separar-se de suas crianças. Não sou mãe, mas tenho uma ideia do que significa isso. Porém, se você ama as suas filhas e deseja para elas a felicidade, creio que se faz necessário alguma renúncia da sua parte, pois desta forma o futuro das meninas estaria garantido.”
Para surpresa de Luísa, a jovem mãe aceitou a proposta e marcou a data em que as crianças viajariam. A primeira esposa tentou obter apoio governamental para que a viúva japonesa também imigrasse, mas seu esforço foi em vão.
Finalmente chegou o dia tão esperado. A comissária de bordo encarregou-se de cuidar das meninas durante a longa viagem aérea de muitas horas, pois que possuía uma escala no território americano do Havaí.
O texto jornalístico no qual li esta história reproduz a narração da própria viúva americana em relação ao seu encontro com as meninas. As palavras aproximadas são as seguintes:
“Viajei de Boston a Nova York e cheguei ao aeroporto John Kennedy. Comecei a imaginar como deveria receber as duas crianças. Eu já estava com mais de quarenta anos e não possuía experiência com o mundo infantil. As meninas estavam com 3 e com quase 5 anos. Pensava em contratar uma enfermeira e uma pedagoga para me ajudar. Faria o que fosse possível. De repente eu fui chamada pelo serviço de som do aeroporto para que comparecesse ao setor de desembarque. Uma funcionaria da companhia aérea conduziu até mim as duas japonesinhas. Eram duas meninas lindas, que pareciam duas bonequinhas de porcelana de tão delicadas. Quando se aproximaram, falando somente algumas palavras em inglês, saltaram-me nos ombros e me chamaram tia-mãe. E ambas tocaram profundamente o meu coração.”
Luísa levou as meninas para casa como se estivesse levando o marido de volta ao seu lar, procurando educá-las com carinho e dedicação. Matriculou-as em uma escola especial que acolhia crianças que não falavam o idioma inglês. E continuou mantendo correspondência com a mãe das meninas.
Dois anos depois, as meninas estavam completamente integradas à cultura americana e se encontravam imensamente felizes. As duas já falavam corretamente o inglês, pois as crianças apresentam grande facilidade para absorver conteúdos novos, principalmente um novo idioma que estejam exercitando constantemente. No entanto, a mãe adotiva não poderia esquecer que uma criança necessita da presença da mãe biológica para ser plenamente feliz. Por isso, resolveu investir novamente na vinda de Aiko para os Estados Unidos, embora estivesse consciente da dificuldade que enfrentaria para atingir aquele objetivo. Se a japonesa fosse viúva de um saldado americano, o Departamento de Estado providenciaria a sua entrada no país sem fazer nenhum objeção. Mas como era apenas esposa de um engenheiro, o interesse das autoridades constituídas em admiti-la não era o mesmo.
Após meditar a respeito, Luísa teve uma ideia que poderia ser a solução definitiva para contornar o obstáculo. Foi ao jornal de sua cidade e contou a história em detalhes, dando subsídios para que a jornalista publicasse uma matéria especial no periódico. A noticia teve tanta repercussão, que foi reproduzida no jornal The Washington Post, adquirindo notoriedade em todo o país. A intenção era sensibilizar a sociedade para que o governo Americano se sentisse na obrigação de intervir a favor de Aiko. O plano deu certo! Enfim, a japonesa conseguiu o direito de ir morar nos Estados Unidos.
Alguns meses mais tarde, Luísa encontrava-se novamente no Aeroporto Kennedy. Estava esperando aquela que lhe roubara o marido. Levava as duas meninas, agora vestidas com um traje adequado à cultura americana.
Quando o avião pousou ela fez uma reflexão, que em suas próprias palavras fica mais fácil de compreender:
“Como será que Aiko vai me ver? Como será que eu vou vê-la? Será que restou entre nós alguma mágoa? Eu vou olhar para ela e vou pensar: O que ela tem melhor do que eu? Ela é muito pequena e certamente não tem a minha elegância. O que foi que ele viu nela? Às vezes parece que os homens são meio atormentados, pois se veem atraídos por mulheres com uma aparência física muito singular. Eles gostam das coisas diferentes somente para contrariar a opinião geral...”
A viúva americana se deparava naquele instante com um ressentimento profundo que ela não havia percebido antes. E, quando experimentava o auge deste dilema, concluiu que a situação constrangedora era uma via de ao dupla. Pensou consigo mesma: “Ela também deve estar num grande conflito! Vem para um país estrangeiro sem falar o idioma, e vai ficar na casa da mulher que foi a primeira esposa do seu marido... Não é uma situação confortável...”
A anfitriã não teve tempo de reflexionar muito porque a imigrante acabara de chegar ao setor de desembarque internacional. Luísa viu sair pela porta uma mulher que era muito jovem, quase uma menina, de pequena estatura. Não tinha certeza, mas deveria ser ela. Estava com um sorriso no rosto, apesar de não conseguir ocultar a tristeza estampada na face. Sentaram-se e abraçaram-se efusivamente. Aiko, que estava trêmula, chorou longamente nos braços de sua nova amiga. Naquele instante, Luísa experimentou um estranho sentimento. A jovenzinha parecia uma filha que chegava de longe para aconchegar-se ao seu coração.
Levou-a para Boston e colocou-a no apartamento anexo à sua casa, para que tivesse independência, transferindo as meninas para o quarto ao lado daquele em que a mãe estava instalada.
Imediatamente começou a ajudá-la de várias formas. Matriculou-a num curso de inglês e resolveu estudar japonês para facilitar a comunicação entre ambas, pois a japonesa estava muito traumatizada com a guerra e com a morte do marido.
Algum tempo depois, a viúva americana transferiu a hospede para dentro de sua mansão.
Aiko era muito inteligente, e logo se destacou nos estudos de matemática, ingressando oportunamente numa universidade americana onde concluiu o curso com brilhantismo, o que permitiu ter sucesso profissional em um período relativamente curto.
Os anos se passaram... a primeira esposa estava com mais de sessenta anos de idade. As meninas estavam crescidas e chamavam-na de mãe, o que era muito compreensível, embora também chamasse Aiko pelo mesmo nome, porém, em japonês.
Neste momento da sua vida, Luísa entendeu que era hora de definir alguns aspectos que não poderiam ser adiados. Escreveu seu testamento e deixou sua decisão nos seguinte termos:
“Inicialmente Deus me brindou com um grande amor! E este amor, por alguma razão que desconheço, Deus resolveu subtrair do meu caminho. Mas como o Criador é muito sábio, Ele multiplicou por três aquele amor que se foi. Sou imensamente feliz, porque Deus substituiu um amor ausente por três pérolas do Oriente, que são os amores da minha vida. Portanto, todos os bens que acumulei, tanto aqueles que adquirir com meu marido quanto aqueles que conquistei posteriormente, através do meu trabalho, eu ofereço à minha filha japonesa Aiko e às minhas netinhas.”
Menos de dois meses depois de redigir o seu testamento, a nobre senhora desencarnou. Contudo, foi um retorno feliz para a outra margem do rio da vida...
Ao concluir a narrativa da história, na reportagem a que me referi no início, o jornalista resolve fazer uma pergunta de grande significação ao leitor: “Você amaria assim?”. É exatamente a questão que deu o título à reportagem.
Sempre que eu conto essa linda história, em palestras e seminários pelo mundo, concluo a reflexão fazendo a mesma pergunta, deixando a cada um a tarefa de respondê-la para si mesmo. Será que o seu amor seria tão grande que pudesse dar este verdadeiro salto quântico sobre uma experiência dolorosa? Será que poderia superar com todos os méritos uma traição, um abandono, uma ingratidão, um conflito conjugal?
Se nós afirmamos nossa plena confiança no Criador do Universo, devemos permitir que o Amor de Deus represente a linha direcional para que tenhamos uma orientação em todas as nossas transições evolutivas. E dessa forma, poderemos fazer ao outro apenas aquilo que gostaríamos que o outro nos fizesse.
O verdadeiro amor é aquele que liberta, rompendo as algemas do egoísmo, do orgulho e do ressentimento. A libertação pelo amor, como afirma o Espírito Joanna de Ângelis, é o luminoso caminho para encontrarmos a plenitude e praticarmos a caridade. Porque a caridade é o amor no seu mais alto grau, na sua manifestação mais sublime. É um ato de caridade oferecer alimento a quem tem fome ou disponibilizar um medicamento a quem necessita de cuidados de saúde. No entanto, as atitudes de caridade moral, representadas pelo perdão, pelo sorriso generoso , pela doação de ternura e pela renuncia aos embustes do nosso ego, são as expressões mais elevadas da caridade.
Fonte: Livro Sexo e Consciência de Divaldo Franco. Organizado por Luiz Fernando Lopes.