A culpa encontra sintonia com as paisagens mais escuras da personalidade humana em que se homizia.
Os conflitos e as mesquinhezes dos sentimentos nutrem-se da presença da culpa, levando a estertores agônicos aquele que lhe sofre a injunção.
Acabrunha e desarticula os mecanismos da fraternidade, tornando o paciente arredio e triste, quando não infeliz e desmotivado.
As suas ações tornam-se policiadas pelo medo de cometer novos desatinos e quase sempre é empurrado para a depressão.
Vezes, porém, outras, apresenta-se com nuanças muito especiais, mediante as quais há uma forma de escamoteá-la através de escusas e de justificações indevidas.
Assevera-se, nessa conduta, que é normal errar, e, sem dúvida, o é, mas não permanecendo em contínua postura de equívocos, prejudicando outras pessoas, sem o reconhecimento das atitudes infelizes que devem sempre ser recuperadas.
Tormentosa é a existência de quem se nutre de culpa, sustentando-a com a sua insegurança. Tudo quanto lhe acontece de negativo, mesmo as ocorrências banais, é absorvido como sentimentos necessários à reparação.
A infância conflituosa, não poucas vezes induz o educando à raiva, ao desejo de vingança, à morte dos pais ou dos mestres. Isto ocorre como catarse liberadora do desgosto. Quando, mais tarde, ocorre algo de infelicitador com aquele a quem foram dirigidos a ira e o desejo de desforço, a culpa instala-se, automaticamente, no enfermo, provocando arrependimento e dor.
Determinados acontecimentos têm lugar, não porque sejam desejados, mas porque sucedem dentro dos fenômenos humanos. Entretanto, a consciência aturdida aflige-se e procura mecanismo de autopunição, encontrando na culpa a melhor forma de descarregar o conflito.
Quando, num acidente, alguém morre ao lado de outrem que sobreviveu, em caso de este não possuir estabilidade emocional, logo se refugia na culpa de haver tomado o lugar na vida que pertencia ao que sucumbiu, sem dar-se conta de que sempre teve igualmente direito à existência.
Tal comportamento mórbido castra muitas iniciativas e desencadeia outros processos autopunitivos de que a vítima não se dá conta.
O arrependimento, que deve ser um fenômeno normal de avaliação das ações, mediante os resultados decorrentes, torna-se, na consciência de culpa, uma chaga a purgar mal-estar e desconfiança.
Como forma de esconder o conflito, surge a autocomiseração, a autocompaixão, quando seria mais correto a liberação do estado emocional, mediante a reparação, se e quando possível.
Reprimir a culpa, tentar ignorá-la é tão negativo quando aceitá-la como ocorrência natural, sem o discernimento da gravidade das ações praticadas.
À medida que é introjetada, porém, a culpa assenhoreia-se da emoção e torna-se punitiva, castradora e perversa.
Gerando perturbações emocionais, pode induzir a comportamentos doentios e atitudes criminosas, em face de repressões da agressividade, de sentimentos negativos incapazes de enfrentamentos claros e honestos que empurram para a traição, para os abismos sombrios da personalidade.
Porque se nutre dos pensamentos atormentadores, o indivíduo sente-se desvalorizado e aflige-se com ideias pessimistas e desagradáveis. Acreditando-se desprezíveis, algumas personalidades de construção frágil escorregam para ações mais conflitivas.
Nos criminosos seriais, por exemplo, a culpa inconsciente propele-os a novos cometimentos homicidas, além do inato impulso psicopata e destrutivo que lhes anula os sentimentos e a lucidez em torno das atrocidades cometidas. Portadores de uma fragmentação da mente, permanecem incapazes de uma avaliação em torno dos próprios atos.
Podem apresentar-se gentis e atraentes, conseguindo, dessa forma, conquistar as suas futuras vítimas, antegozando, no entanto, a satisfação da armadilha que lhes prepara, estimulando-os ao golpe final.
Bloqueando a culpa, saciam-se, por breve tempo, na aflição e no desespero de quem leva à consumpção. Quanto maior for o pavor de que o outro dê mostra, mais estímulo para golpear experimenta o agressor. A fúria sádica explode em prazer mórbido e cessa até nova irrupção.
Fonte: Do livro “Conflitos Existenciais” pelo Espírito Joanna de Ângelis, psicografado por Divaldo Franco.