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quinta-feira, 7 de setembro de 2023

RELATO DE SUICIDA: O PAI E O CONSCRITO

     

         No começo da guerra com a Itália, em 1859, um negociante de Paris, pai de família, gozando da estima geral de todos os seus vizinhos, tinha um filho que fora sorteado para o serviço militar; achando-se, por sua posição, na impossibilidade de exonerá-lo do serviço, teve a ideia de se suicidar a fim de insentá-lo, como filho único de viúva. Foi evocado um ano depois, na Sociedade de Paris, a pedido de uma pessoa que o conhecera e que desejava conhecer a sua condição no mundo dos Espíritos.

        (A São Luís.) Quereis nos dizer se podemos evocar o homem de quem se acaba de falar? – R. Sim, ele ficará mesmo muito feliz, porque será um pouco aliviado.


        1.   
Evocação. – R. Oh! Obrigado! Eu sofro muito, mas... é justo; entretanto, ele me perdoará. 

        O espírito escreve com grande dificuldade; os caracteres são irregulares e mal formados; depois da palavra mas, se detém, tenta em vão escrever, e não faz se não alguns traços indecifráveis e pontos. É evidente que é a palavra Deus que ele não pode escrever. 
        
        2.   
Preenchei a lacuna que deixastes. – R. Eu sou indigno.

         3. Disseste que sofreis, sem dúvida, errastes em vos suicidar, mas é que o motivo que vos levou a esse ato não vos mereceu nenhuma indulgência? – R. A minha punição será menos longa, mas a ação nem por isso foi menos má.

        4.    Poderíeis nos descrever a punição que sofreis? – R. Sofro duplamente, na minha alma e no meu corpo; sofro neste último, embora não o possua mais, como o amputado sofre no membro ausente.

        5.
   
A vossa ação teve o vosso filho por único motivo, e não fostes solicitado por nenhuma outra causa? – R. só o amor paternal me guio; em favor desse motivo, a minha pena será abreviada.

        6. Prevedes o fim de vossos sofrimentos? – R. Não lhe conheço o fim; mas estou seguro de que esse fim existe, o que me é um alívio.

        7.
    Ainda há pouco, não pudestes escrever o nome de Deus; entretanto, temos visto espíritos muito sofredores escrevê-lo; isso faz parte de vossa punição? – R. Eu o poderia, com grandes esforços de arrependimento.

        8.
    Pois bem! Fazei grandes esforços, e tratai de escrevê-lo; estamos convencidos, de que se a isso chegardes, ser-vos-á um alívio.O espírito acabou por escrever, em caracteres irregulares, trementes e muito grosso: “Deus é muito bom.”

        9.
    Nós vos sabemos reconhecido por vir ao nosso chamado, e pediremos a Deus por vós, a fim de chamar-lhe a misericórdia sobre vós. – R. Sim, se vos apraz.

        10.
    (A São Luís.) Quereis nos dar a vossa apreciação pessoal sobre o ato do espírito eu acabamos de evocar? – R. Este espírito sofre justamente, porque lhe faltou confiança em Deus, o que é uma falta sempre punível; a punição seria terrível e muito longa se não estivesse, em seu favor, um motivo louvável, que era o de impedir seu filho de ir ao encontro da morte; Deus, que vê o fundo dos corações, não o puniu senão segundo as suas obras. 

        Observações. -  À primeira vista, este suicídio parece desculpável, porque pode ser considerado como ato de devotamento; com efeito o é, mas não completamente. Assim como disse o Espírito e São Luis, a esse homem faltou a confiança em Deus. Por sua ação, talvez impediu o destino de seu filho de se cumprir; primeiro, não estava certo que este fosse morto na guerra, e talvez essa carreira devesse dar-lhe oportunidade de fazer alguma coisa que seria útil ao seu adiantamento. Sua intenção, sem dúvida, era boa, assim lhe foi tida em conta; a intenção atenua o male merece indulgência, mas não impede o que é mau de ser m; sem isso, em favor do pensamento, poder-se-ia desculpar todos os delitos, e poder-se-ia mesmo matar sob o pretexto de prestar serviço. Uma mãe que mata o seu filho na crença de que o envia direto ao céu é menos culpada, porque o fez numa boa intenção? Com esse sistema, justificar-se-iam todos os crimes que um fanatismo cego cometesse nas guerras religiosas.

        Em princípio, o homem não tem o direito de dispor de sua vida, porque esta lhe foi dada em vista dos deveres que deveria cumprir na Terra, por isso, não deve abreviá-la voluntariamente, sob nenhum pretexto. Como tem o seu livre-arbítrio, ninguém pode impedi-lo, mas sofre-lhe sempre as consequências. O suicídio mais severamente punido é aquele que se cumpre pelo desespero, e tendo em vista livrar-se das misérias da vida; sendo essas misérias, ao mesmo tempo, prova e expiações, subtrair-se delas é recuar diante da tarefa que se aceitara, às vezes mesmo diante da missão que se deveria cumprir.

        O suicídio não consiste somente no ato voluntário que produz a morte instantânea; está também em tudo o que se faz, em conhecimento de causa, que deve apressar, prematuramente, a extinção das forças vitais.

        Não se pode assemelhar ao suicídio o devotamento daquele que se expõe à morte iminente para salvar o seu semelhante; primeiro, porque não há, no caso, nenhuma intenção premeditada de subtrair-se à vida, e, em segundo lugar, não há perigo do qual a Providência não possa nos tirar, se a hora de deixar a Terra não chegou. Se a morte ocorre em tais circunstâncias, é um sacrifício meritório, porque é uma abnegação em proveito de outrem. (O Evangelho Segundo o Espiritismo, cap. V, n.s 53, 65, 66, 67)


Fonte: Livro – O Céu e o inferno ou A Justiça Divina Segundo o Espiritismo. Allan Kardec. Cap. V. 



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